O clima está tenso em Brasília, mas
o vice-presidente Hamilton Mourão não se altera com as crises
políticas e as dificuldades do governo. O general de quatro estrelas procura
manter a compostura que o cargo recomenda, contrariamente ao destempero que
acomete diversos integrantes do governo.
Em entrevista ao programa CB Poder, parceria entre o Correio e
a TV Brasília, o ocupante do segundo cargo da República aposta no
diálogo institucional para superar os entraves às reformas necessárias e
avançar nas grandes questões nacionais. Nesse contexto, o vice-presidente
considera que o diálogo mais difícil se situa na Câmara, em razão da
diversidade de pensamentos. Mas ele acredita que há uma vontade conciliatória
entre os poderes. “Não vejo uma forma simples essa ligação com a Câmara. Mas
ela vem se dando”, comentou. Leia a seguir trechos da entrevista concedida
nesta quarta-feira (19/2) no gabinete da Vice-Presidência, no Palácio do
Planalto.
Os governadores reclamam que foram excluídos do Conselho da Amazônia.
Eles têm motivo para se queixar?
O Conselho é um organismo para
coordenar as políticas públicas estabelecidas pelo governo federal, e com uma
finalidade: a de fazer acontecer. Os governadores, muito pelo contrário, estão
dentro do Conselho. Não fisicamente, mas estão com suas ideias, com suas
demandas, com suas prioridades. Eu estou indo pessoalmente a cada estado. Já
estive em Roraima e no Amazonas. Agora, logo depois do carnaval, eu vou ao
Pará, ao Amapá e ao Maranhão, e, depois, a última perna é Mato Grosso, Rondônia
e Acre. Isso tudo com uma única finalidade: me encontrar com o governador.
Apresentar a ele quais são as ideias do Conselho e como é que o Conselho vai
funcionar, além de ouvir as demandas, ouvir a visão do governo do estado em
relação àquilo que devem ser as prioridades para que o estado avance nos três
vetores que são a missão do Conselho: a proteção, a preservação e o
desenvolvimento da Amazônia.
Tem de haver mineração em terra indígena?
Está previsto na Constituição, desde
que haja lei. É uma questão de lei. Nós não estamos fugindo um segundo da
Constituição. O presidente, então, propôs um projeto que está lá no Congresso e
vai levar a todo tipo de discussão, como ocorre dentro do Congresso, que é onde
estão os representantes, (onde estão) as mais diversas formas de pensamento da
nossa população. Eles vão debater esse assunto até chegar a algo que seja bom
para todos.
Mas o diálogo do governo com o Congresso está bom?
Não é porque o governo coloca um
projeto de lei dentro do Congresso que ele tem que sair da outra ponta igual.
Se fosse assim, então não precisava do Congresso. O governo, ao aportar um
projeto de lei para o Congresso, está lançando as bases para discussão de algo
que não vem sendo discutido. No caso específico, da exploração econômica das
terras indígenas. Então, é aquela história: você tem um grande número de
indígenas que desejam ter um rendimento econômico fruto do trabalho que eles
têm nas suas terras. Hoje, não é permitido que isso aconteça. Então tem que ser
discutido o assunto.
É na Câmara onde o governo tem mais dificuldade?
A Câmara, naturalmente, tem que ter
mais dificuldade. Em primeiro lugar porque a Câmara tem 513 cabeças, cada uma
pensando da sua maneira, dividida em 28 partidos. Então, ela é multifacetada.
Em qualquer hipótese é difícil. Não é simples essa articulação, esse diálogo.
Tem que trabalhar com um grande número de pessoas diferentes, buscar
convencê-las. Então, não vejo uma forma simples essa ligação com a Câmara. Mas
ela vem se dando. O exemplo mais claro que eu coloco foi a Câmara ter aprovado
a reforma da Previdência. A Câmara está discutindo a reforma tributária, a
Câmara tem o seu próprio projeto de reforma administrativa. Então, eu vejo que
é um Congresso reformista. Ele está indo ao encontro daquilo que são as
principais ideias do governo do presidente Bolsonaro. Mas tudo necessita de
sintonia fina, conversa. A política é feita dessa forma.
Em quais temas o governo espera avançar, em ano eleitoral?
Há cinco aspectos que têm que avançar
neste ano. São as três PECs que mandamos no fim do ano passado: a Emergencial,
a dos Fundos e a do Pacto Federativo. E, obviamente, a questão tributária e
administrativa. Elas têm que avançar.
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O que é mais difícil desse pacote?
A questão tributária é mais difícil
porque os três entes da Federação têm interesse. Nós temos mais de 5,5 mil
municípios. Então, esse tema vai concentrar os os debates mais árduos.
O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, disse que
cometeu erros nessa articulação com o Congresso. Por que o governo não consegue
deslanchar essa relação?
A reclamação sempre vai acontecer.
Faz parte do relacionamento entre pessoas, principalmente em tempos de rede
social, onde existem exacerbações sobre os mais diversos temas e quando as
pessoas parecem que não procuram se conter no seu modo de se expressar. Então,
acabam acontecendo algumas rusgas. O ministro Ramos fez a sua autocrítica
porque pegou o bonde andando. Vamos lembrar que ele entrou no governo em julho,
com vários acordos que já haviam sido feitos por aqueles que estavam
representando o governo nessas negociações, como o ministro (da Cidadania) Onyx
Lorenzoni, como a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Então, o Ramos teve que
ir se adaptando. Agora, neste ano, ele começa à cavaleiro da situação. Então,
acho que terá mais condições de implementar um diálogo e uma relação mais
afirmativa.
O senhor também se refere assim em relação ao ministro Braga Netto, que
assumiu agora a Casa Civil. Haverá uma remodelagem nesse ministério?
A Casa Civil é o centro de governo; é
responsável pela coordenação e controle dos ministérios, uma tarefa gigantesca.
Então, eu acho que o presidente chamou o Braga Netto visualizando isso. A
partir da semana que vem, passado o carnaval, ele (Braga Netto) verá como conduzirá
essa tarefa de coordenação e controle, que ele sabe fazer. Vai depender mais
ainda das pessoas com de ele se cercar.
Na posse dos ministros, muita gente sentiu falta de uma avaliação do
primeiro ano da Casa Civil. Como avalia o trabalho do Onyx Lorenzoni?
O ministro Onyx teve uma tarefa
gigantesca ao longo do ano passado, porque ele não só teve que montar o governo
durante o período de transição. Então, ele foi um partícipe fundamental,
inclusive na escolha de vários dos ministros. Também, ele tinha responsabilidade
pela ligação com o Congresso e, ao mesmo tempo, essa tarefa hercúlea que é a
coordenação e controle dos ministérios, que não é simples. A partir do momento
que o presidente coloca cada ministro como titular da sua pasta, a Casa Civil
tem que ter um diálogo constante com esses ministérios. Tem que ter
instrumentos, ferramentas de gestão, para que possa controlar as principais
políticas públicas. Tudo conversando com o presidente, conversando com
ministros. Então, foi uma tarefa muito grande que o ministro Onyx teve.
A Casa Civil foi esvaziada. É possível a volta do Programa de Parcerias
de Investimentos (PPI)?
O PPI, na realidade, nunca foi da
Casa Civil. Era da Secretaria-Geral, lá atrás. Depois acabou indo para a Casa
Civil. A Casa Civil tem um papel fundamental porque ela, volto a dizer, é o
centro de governo. E o que é um centro de governo? É um centro de comando,
controle e comunicações, onde o ministro-chefe da Casa Civil tem que ter uma
consciência situacional de tudo o que está ocorrendo no governo. Quais são as
políticas do Ministério da Saúde que estão em andamento, quais são as políticas
do Ministério da Educação, metas que têm que ser traçadas para os ministros.
Isso é responsabilidade dele, despachar com o presidente, e posteriormente ser
colocado para o ministro. É uma tarefa enorme. Se o Braga Netto conseguir
colocar isso em funcionamento, teremos um ganho extraordinário para o governo.
Quando chega a reforma administrativa?
Não conversei com o presidente nos
últimos dias porque estava no Amazonas, mas o que eu sei é que nossa proposta
de reforma administrativa foi montada pela equipe do ministro (da Economia)
Paulo Guedes, especificamente pelo Paulo Uebel (secretário especial de
Desburocratização, Gestão e Governo Digital). Eles andaram de ministério em
ministério, de autarquia em autarquia, vieram aqui à vice-presidência,
expuseram os pontos, perguntaram as críticas que nós tínhamos. É algo que está
consolidado, bem montado. E a gente sabe que tem a proposta da Câmara, que também
toca em vários assuntos pertinentes à reforma administrativa.
Há motivo de preocupação para os atuais servidores?
Não. Quem já entrou no serviço
público não tem nada a temer dessa reforma administrativa.
Não vai atingir em nada? Corte de benefícios...
Não, porque a questão de benefícios
estava estabelecida na parte previdenciária, que já foi bem discutida.
E os benefícios das carreiras? Às vezes há as gratificações que os
servidores ganham, até por uma complementação salarial...
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Para os atuais não há essa visão. O
principal que nós temos que entender é que o ingresso no serviço público não
pode ser um carimbo de que você vai permanecer eternamente naquela situação,
sem a necessidade de apresentar um rendimento que seja coerente com a
responsabilidade que recebeu.
Ou seja, vai se exigir metas dos servidores?
É mérito. A meritocracia. Eu venho de
uma instituição onde a meritocracia é a chave. Então, você avança dentro da
carreira. A carreira é um funil. Chegam lá na frente apenas aqueles cujos
méritos os levaram até lá.
A Petrobras enfrenta uma greve dos petroleiros. Qual será a solução? Há
também a greve dos caminhoneiros.
Esses assuntos têm que ser tratados
com o máximo de paciência, com calma. A questão dos petroleiros, para mim, claramente
é uma greve política, porque esse grupo, durante o período em que a Petrobras
foi saqueada de cima a baixo e lateralmente, eles nunca se pronunciaram. Nunca
vi nenhuma faixa. Sei que terça-feira, teve uma manifestação no Rio de Janeiro,
onde tinham umas mil pessoas. Mas grande parte dessas pessoas eram dos partidos
políticos mais radicais da esquerda. Então, o que está acontecendo é uma
exploração política. O TST já disse que é ilegal essa greve. Então, eu vejo
que, em um curto espaço de tempo, chegaremos a um consenso. Em relação aos
caminhoneiros, a categoria terá que entender que isso está ligado à oferta e à
procura. Há um tempo se compraram muitos caminhões, a atividade econômica caiu,
e, ao cair a atividade econômica, diminui a oferta.
Mas os caminhoneiros querem o tabelamento do frete. O presidente
Bolsonaro terá que escolher: ou atende à categoria, ou atende ao
agronegócio, que defende o fim do tabelamento.
O tabelamento do frete vai contra
tudo aquilo que a gente advoga em termos de liberdade econômica. O preço tem
que ser regulado pelo mercado. É aquela história: se eu tenho uma carga para
transportar e me aparecem 10 pessoas me propondo transportar essa carga, o que
que eu vou fazer? Aquele que tiver o melhor caminhão e o melhor preço, ou seja,
técnica e preço, eu vou dizer: “está aqui, você leva a minha carga”. Isso é uma
lei do mercado. A partir do momento em que você tabela o frete, você acaba até
com a concorrência.
Então o senhor acha que a tendência é essa? Não ter tabelamento?
No futuro próximo, a partir do
momento em que se estabilize a economia — porque isso está muito ligado ao
baixo desempenho da economia —, toda essa massa de pessoas que têm os
rendimentos oriundos do transporte vai ter mais coisa para transportar. Em
consequência, eles não estarão brigando pelo preço do frete.
Com o orçamento impositivo, o governo perdeu a capacidade de levar
avante suas prioridades?
Eu julgo que houve aí uma
extrapolação das prerrogativas do Poder Legislativo. O Poder Legislativo
legisla. Acho que, em relação ao orçamento, o Poder Legislativo tem a
capacidade de montar o orçamento, dizer que tanto é da Saúde, tanto é da
Educação, tanto é da Defesa. Ou seja, estabelecer as suas prioridades ali. A
partir daí, a execução pertence ao Poder Executivo. O próprio nome diz.
Executivo executa. Se o parlamentar vai apontar, ainda, a forma como o
Executivo vai executar, aí vai ficar meio complicado.
Estão tentando derrubar o veto...
Está uma queda de braço. Tem que ter
muita calma nessa hora. Conversar lá dentro do Congresso. Na terça-feira,
o ministro Ramos e o Guedes sentaram com o Rodrigo (Maia) com o Davi
(Alcolumbre) e estão compondo essa questão. Porque, realmente, em um orçamento
que já está 94%, 95% dele comprometido com despesas obrigatórias, se aqueles
5%, 6% que o governo tem para estabelecer suas políticas não está na mão dele,
então é melhor a gente fechar tudo aqui e irmos para casa.
O governo não viu esse problema?
Esse assunto apareceu no apagar das
luzes do ano passado, ali em dezembro. Não acompanhei a discussão que estava
sendo feita dentro do Congresso. Não vou crucificar A, B ou C. A realidade é a
seguinte: nós temos um problema hoje que são R$ 30 bilhões do orçamento, que
poderão ficar inteiramente na mão do parlamento. Então, eu acho que a gente
está indo por um lado errado. É sentar com o parlamento e dizer: “Aí, minha
gente, isso aí é responsa nossa”.
O governo enfrenta enorme repúdio às declarações de Bolsonaro contra a
jornalista Patrícia Campos Mello. Como fica essa questão?
Eticamente, eu não teço nenhuma
crítica ao presidente da República. Sou o vice-presidente dele. No momento em
que ele discutir algum assunto comigo, converso com ele. Em relação a esse caso
aí, o caso está ultrapassado. Eu acho que o presidente sabe muito bem. Muitas
vezes ele quer fazer uma brincadeira e acaba a brincadeira não sendo bem
compreendida. Eu acho que a gente pode passar por cima desse assunto.
Por Denise Rothenburg